A PARTE QUE TE CABE

 

 

 

Rio_de_Janeiro

A PARTE QUE TE CABE

Registro o que vejo da calcada que margeia uma das praias mais conhecidas do mundo, onde as edificações possuem o preço do metro quadrado construído entre os mais caros do país.

Nuvens de chuva, temperatura do ar acima do limite do conforto, pouco espaço disponível sobre a areia da praia.

Arrisco uma maior aproximação das pessoas mais à beira da água do mar. Caminho com dificuldade entre cadeiras e sombrinhas.

Logo sou abordado por um grupo de 10 policiais que me alerta:

Você esta louco de vir até aqui com essa maquina fotográfica? Existe uma probabilidade de 98 % de você ser assaltado”.

Peço que me acompanhem de volta até o calçadão. O que acontece sob olhares de deboche e vaias.

Aziz Ary

 

Aquele belo trecho do Oceano Atlântico, em sua placidez, parecia contraposto ao mar de gente, cadeiras e sobrinhas, em sua degradante compactação. Não sei por que estranha razão aquela paisagem insólita, vista em seu conjunto, me fez evocar velha crônica de José de Alencar, que iniciou sua carreira literária aos 25 anos de idade, como folhetinista do Correio Mercantil, entre 3 de setembro de 1854 e 8 de julho de 1855, sob o título geral de Ao correr da pena. Destaco o tópico de suas reflexões que evoquei:

«Nós que macaqueamos dos franceses tudo quanto eles têm de mau, de ridículo e de grotesco, nós que gastamos todo o nosso dinheiro brasileiro para transformarmo-nos em bonecos e bonecas parisienses, ainda não nos lembramos de imitar uma das melhores coisas que eles têm, uma coisa que eles inventaram, que lhes é peculiar…: a flânerie.

Sabeis o que é a flânerie? É o passeio ao ar livre, feito lenta e vagorosamente, conversando ou cismando, contemplando a beleza natural ou a beleza da arte; variando a cada momento de aspectos e de impressões. (…). O que há de mais encantador e de mais apreciável na flânerie é que ela não produz unicamente o movimento material, mas também o exercício moral. Tudo no homem passeia: o corpo e a alma, os olhos e a imaginação. Tudo se agita; porém é uma agitação doce e calma, que excita o espírito e a fantasia, e provoca deliciosas emoções.

A cidade do Rio de Janeiro, com seu belo céu de azul e sua natureza tão rica, com a beleza de seus panoramas e de seus graciosos arrabaldes, oferece muitos desses pontos de reunião, onde todas as tardes, quando quebrasse a força do sol… »

Quem hoje se arriscaria a tal flânerie? Ou onde se acharia pequena e rara cidade que permitisse a ousadia de tal fruição de uma não desfigurada estética urbana, como nas encantadoras vilas de países que souberam preservar esse patrimônio?

E o Rio de Janeiro já não mais continua lindo!

Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes