A FLORESTA

floresta

 

Fortaleza 7 de Janeiro de 2006

 

« Todos deveriam ver a Amazônia pelo menos uma vez na vida »

 

Essa frase, que minha mãe sempre repetia, me incentivou a acompanhar meu amigo francês Arnaud ao casamento da nossa amiga francesa Caroline com o Manauara Thiago, filho de um deputado do estado do Amazonas.

 

Uma semana bastaria para conhecer Manaus, sua opera, a floresta e participar das comemorações que deveriam se realizar no sábado e no domingo.

 

Depois de conhecer a cidade fomos procurar as ofertas de passeios na selva. A primeira agência nos propôs uma excursão ao lago Mamori, o melhor local perto de Manaus, segundo o guia, para se observar bandos de aves. Fez “um preço para brasileiro”: R$ 110,00 por uma noite e passeios (Encontro das águas, pesca de piranha, focagem de jacaré, caminhada na floresta, etc.). A segunda agência nos mostrou no mapa que o lago Mamori estava na região da rodovia Transamazônica, por isso a floresta já estaria bastante devastada e nos propôs uma excurçao ao norte de Manaus em uma região inabitada onde poderíamos ter mais contato com a floresta primaria. Também disse fazer “Um preço para brasileiro”: R$ 150,00.

 

Sempre soube que para ver animais se deveria ir ao Pantanal e não a Amazônia. A floresta preservada me interessava mais que bandos de pássaros. Optamos pela segunda agencia.

 

Do barco, vimos o encontro das águas, o porto de Manaus, e os botos. Fomos apresentados ao nosso guia, que tinha jeito de índio cow-boy. Francisco vestia botas de couro e um cinto com grande fivela prateada, falava mal português e não conseguia responder as minhas perguntas sobre a região. Logo parei de perguntar, aparentemente eu sabia mais do que ele. Depois descobri que Francisco era originário da Guiana e falava bem o inglês. Isso deveria facilitar a comunicação com a grande maioria de estrangeiros que fazem esse tipo de excursão.

 

Depois de umas quatro horas de barco chegamos ao hotel flutuante em um afluente do Rio Negro. Nosso grupo era composto por um casal (uma finlandesa e um italiano que moravam em Paris), Luz, a colombiana da região do café, Arnaud, eu e 3 outros brasileiros que foram embora depois da pesca.

 

As piranhas estavam escassas e só encontramos jacarés bebes. Dormimos em redes no barco atracado ao hotel.

 

Na manha seguinte partimos para três horas de caminhada na selva. No programa teríamos ainda: almoço, descanso em praia de rio e retorno a Manaus.

 

Atravessamos para a margem norte do Rio Negro em pequeno barco a motor. Descemos na “Praia do Paraíso” onde havia uma casa sobre palafitas cercada de arvores frutíferas como cupuaçu, abiu, jambo e uma grande castanheira.

 

Francisco estava doente e nos entramos na mata com um guia substituto. O terreno era acidentado e logo Luz viu que não poderia nos acompanhar por mais de 30 minutos. Pediu para o guia leva-la de volta. Esperamos o retorno do guia e continuamos. Hanna, Giorgio, Arnaud e eu. O guia ia abrindo passagem com o facão e nos o seguindo mata adentro. Às vezes parava para mostrar plantas com odor interessante e com valor medicinal, ou dizia o nome de alguma arvore como Copaíba, Mata-mata e Pau-brasil (que não era um pau-brasil).

 

A floresta correspondia a tudo que eu já havia visto em imagens. Muita umidade no ar e em tudo que se tocava. Calor. No chão muito material em decomposição e muitos insetos. Aqui e ali arvores gigantescas e uma infinidade de pequenos troncos crescendo verticais em busca da luz que vinha do Zenith.

 

O guia passou a não dizer mais nada. Seguia com seu facão abrindo caminho. O tempo avançando além do programado. Perguntei como ele poderia se orientar na mata, pois tudo era muito parecido. Não havia pontos de referencia. Ele não respondeu. Então fui mais direto: Estamos perdidos?

 

Velhas arvores caídas e igarapés (pequenos rios) eram os maiores obstáculos.

 

Giorgio começa a gritar. O guia diz: Caba! Corre. Logo fui atacado também por um mosquitinho dourado conhecido como caba. Contei cinco picadas. O guia diz: não se preocupem depois de uma hora a dor passa.

 

Continuamos na busca frenética pelo Rio Negro, na esperança de encontrá-lo antes da noite chegar. Não fizemos nenhuma pausa, nenhuma parada em algum bar que não existia para fazer um lanche, beber água ou repor as energias. A dor de cabeça devido à fome já havia passado. A sede, segundo o nosso guia, não poderia ser saciada com a água do igarapé pois iria nos fazer mal.

 

Tentávamos nos orientar pelo sol buscando o sul, mas as chuvas do mês de dezembro nos impediam de vê-lo. Uma vez que ele dava as caras, logo a monotonia do inferno verde nos desorientava novamente. E seguíamos em círculos nos distanciando cada vez mais do Rio Negro. Cadê o sol? O sol virou. Dizia o guia.

 

Achamos um velho caminho de uns três metros de largura cortado na mata, mas já tomado pela vegetação, cheio de frutinhas azuis e uma borboleta também azul. Parecia a nossa salvação. Não sabíamos aonde iria nem que direção tomar. Tentamos segui-lo para um lado, depois para o outro. Até Que o guia decidiu sair do caminho selva adentro. Nos, mesmo a contragosto obedecemos.

 

Outra vez sem orientação decidimos seguir o igarapé achando que ele nos levaria cedo ou tarde as margens de um grande rio.

 

Olhei as horas e vi que não sairíamos da floresta antes da noite chegar. Propus ao guia que deveríamos buscar um local para passar a noite. Ele veio com uma proposição de nos deixar perto de uma arvore grande. Nos deveriamos ficar dando batidas no tronco. Ele seguiria procurando a saída e viria buscar-nos orientado pelo som das nossas batidas. Olhei em volta e disse: Se você nos deixar aqui nunca vai nos achar outra vez, é melhor ficarmos juntos. Ele concordou. Procuramos a grande arvore mais próxima e deitamos proximos as suas raizes.

 

Depois que parei, não mexi mais. Não tive forças nem para tirar o sapato molhado. A noite caiu e na escuridão só se viam alguns vaga-lumes e folhas em decomposição que se iluminavam. O guia tentou em vão fazer fogo, mas chovia e tudo estava molhado. O vimos cortar palha para fazer sua cama. Repito: “sua cama”. Passei a noite repassando repelente e tentando entrar na capa de chuva e calça de capoeira. As calças de tecido fino dos europeus já estavam completamente rasgadas pelos espinhos. Chovia e barulhos incessantes nos lembravam que não estávamos sozinhos. Passamos a noite ali, lado a lado lutando contra os insetos que se deliciavam com a carne estrangeira. Imaginando tarântulas, cobras e onças caçando no escuro da noite.

 

No dia seguinte quando vimos a claridade do sol nascente, percebemos que seguir o curso do rio estava nos levando mais ao norte e nos distanciando do rio Negro. Logo começamos a caminhar na direção oposta. A pele do meu pé que havia passado a noite molhada estava fragilizada. Feridas e calos se abriram.

 

O guia foi visto comendo cogumelos e bebendo água do rio. Mas nada era bom para nos.

 

Dezembro é o começo da estação chuvosa, é quando as cobras se movimentam pela floresta a procura de abrigos mais secos. Meus maiores medos eram de ser mordido por uma cobra venenosa, quebrar uma perna, pegar malaria ou uma simples gripe e não poder mais seguir em busca da sobrevivência. Disse a todos que em breve começaríamos a beber a água do igarapé, pois com o esforço e o calor nos não agüentaríamos dois dias sem beber água. O cansaço era maior, já estávamos mais lentos e a paisagem continuava a mesma. Nenhum traço da presença humana ou proximidade de um grande rio. A possibilidade de uma morte sofrida me amedrontava. Sonhava com o tédio seguro das quatro paredes do meu quarto. As nuvens outra vez escondiam o sol e o sul. Outro ataque de cabas! Giorgio disse: Não posso mais andar com essas feridas nos meus pés. Vou ficar aqui. Eu disse: Parar agora é se entregar a morte. Vamos caminhar mais uma hora e depois paramos, porque será meio dia e não poderemos mesmo saber que direção seguir. Ele aceitou.

 

Vimos um tronco serrado, cortado por uma moto-serra. Logo reencontramos a aquele mesmo caminho das frutas e das borboletas azuis. Falei: Essas borboletas são os sinais que encontramos a saída. A finlandesa logo atrás, sem me ouvir, disse a mesma coisa em inglês.

 

O sol apareceu rapidamente e percebemos que naquele trecho o caminho tinha direções sudoeste-nordeste. Dessa vez nada me faria abandonar aquele caminho. O guia queria desviar a rota novamente. Eu disse: Eu não abandono esse caminho por nada nesse mundo. Vá se você quiser. Se encontrar a saída da mata será mais fácil nos encontrar aqui. Ele saiu. Nos continuamos. Ele voltou.

 

Um velho camburão metálico, fornos para fazer carvão, uma carteira de cigarros, e enfim, no fim do caminho a visão o rio Negro. Em seguida: um latido de cão, uma casa de madeira, um homem, uma mangueira, uma garrafa de guaraná, um pacote de biscoitos e meu aparelho celular funcionando.

 

O guia não sabia o numero telefônico da agencia. Giorgio lembrou. Falei com Euler, um funcionário da agencia, que disse: Onde vocês estão? Passei a noite sem dormir. Já estava enviando 20 bombeiros e um helicóptero.

 

Um barco veio nos buscar. Chegando ao hotel flutuante encontramos a equipe e a colombiana que havia chorado a noite inteira por nós e rezado para que anjos nos enviassem um sinal mostrando a saída. Ela nos perguntou: Vocês viram algum sinal? Eu disse sim, uma borboleta azul. Nos a abraçamos e choramos juntos.

 

Perdemos o barco para o casamento.

 

No dia seguinte, tentamos falar pessoalmente com a direção da agencia. Mesmo tendo colocado nossas vidas em perigo ninguém da direção nos recebeu. Pedi o reembolso da minha passagem de avião Fortaleza – Manaus, pois acabei não indo ao casamento que era objetivo da minha viagem. Fomos reembolsados apenas do valor da excursão R$ 150.00 mais R$ 75.00 (50%).

 

Estou enviando esse relato do nosso primeiro contato com floresta para varias agencias e editores de guias para que evitem agencias locais como a Green Planet Tour que nos levam a áreas das quais não tem conhecimento da topografia e possuem guias que não sabem se comunicar bem em nenhuma língua nem sabem da utilidade e importância de entrar em uma mata fechada com uma bússola.