AMNESIA

Na “Odisseia”, de Homero, há um trecho que descreve o encontro de Odisseu e seus homens com os Lotófagos, um povo que se alimentava de uma planta chamada lótus, que causava amnésia em quem a consumia.  

Após sofrer uma tempestade, os navios de Odisseu finalmente chegaram à terra dos Lotófagos. Ali, os habitantes ofereciam aos visitantes o fruto do lótus. Aqueles dos meus homens que provaram o doce fruto, logo perderam todo desejo de retornar. Esqueceram-se de sua pátria e queriam permanecer ali para sempre, se alimentando daquele alimento saboroso. Foi com grande dificuldade que Odisseu conseguiu arrastar seus companheiros de volta aos navios, forçando-os a zarpar antes que mais alguém provasse o perigoso fruto e se esquecesse de seu lar para sempre.

“Depois que deixamos a terra dos Cícones, navegamos nove dias sobre o mar infestado de peixes, e ao décimo dia chegamos à terra dos Lotófagos, que se alimentam de flores. Nós desembarcamos lá para pegar água e imediatamente meus companheiros prepararam uma refeição junto aos navios rápidos. Depois que comemos e bebemos, mandei dois dos meus companheiros e um arauto para descobrirem que homens comiam o pão naquele país.

Eles partiram imediatamente e se encontraram com os Lotófagos, que não planeavam a nossa morte, mas, ao contrário, deram-lhes a comer o lótus, que é doce como o mel. Ora, qualquer um dos meus homens que comesse o fruto de lótus, perderia o desejo de voltar e de trazer-nos notícias; ele queria ficar com os Lotófagos, alimentando-se de lótus e esquecendo-se do caminho de volta.

Eu mesmo os trouxe de volta, chorando e à força, para os navios; e lá nos navios amarramos debaixo dos bancos os que haviam comido o lótus. E ordenei aos outros que se apressassem a embarcar nos rápidos navios, para que nenhum dos outros comesse o lótus e esquecesse o regresso. Eles embarcaram imediatamente, sentaram-se ao banco e, sentados em fila, golpearam com os remos o mar cinzento.”

O abandono temporário das obrigações impostas pelo condicionamento social pode proporcionar um respiro necessário para o bem-estar individual. Tal esquecimento não deve ser interpretado como negligência, mas sim como um ato consciente de priorização da saúde mental e emocional. Ao nos permitirmos distanciar das pressões e expectativas externas, criamos um espaço propício para a introspecção e o autoconhecimento. o modo de vida atual, caracterizado por um ritmo acelerado e exigências constantes, muitas vezes nos afasta de uma vida plena. Esse abandono nos recorda que somos mais do que as nossas responsabilidades.